quinta-feira, 26 de maio de 2011

A Terra em nossas mãos


Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo

Em 1885, durante o Congresso Geológico Internacional de Bolonha, na Itália, um grupo de cientistas decidiu que a era geológica em que vivemos seria denominada Holoceno. Há duas semanas, em Londres, um grupo semelhante se reuniu na Geological Society para discutir se não seria o caso de declarar o fim do Holoceno e o início de uma nova era geológica, o Antropoceno.

Essa discussão não passaria de uma quirela semântica, não fosse a definição de Antropoceno: a era em que a força das atividades humanas se sobrepõe às grandes forças da natureza. O novo nome seria o reconhecimento de que esse momento chegou.

As eras geológicas são demarcadas pelos eventos que deixaram cicatrizes no planeta. O Holoceno inicia quando acaba o último período glacial, há 12 mil anos, quando o gelo deixa de cobrir parte da Europa, os oceanos sobem 35 metros e a Inglaterra se torna uma ilha. O Jurássico se inicia quando os dinossauros sofrem sua grande extinção, provavelmente causada pelo impacto de um meteoro, há 200 milhões de anos. O Cambriano é demarcado pelo surgimento dos primeiros organismos multicelulares, há 542 milhões de anos. A primeira era, Hadeana, inicia-se com o surgimento da Lua, há 3,6 bilhões de anos.

Eventos que mudaram o curso da história da Terra. A atividade humana e seu efeito justificam uma nova era geológica? Sabemos o suficiente sobre nosso impacto para declarar o início do Antropoceno? Esses temas foram discutidos em Londres.

Em 2002, Paul Crutzen, ganhador do Nobel de Química pela descoberta do mecanismo da destruição da camada de ozona, propôs que estávamos no início do Antropoceno. Nos últimos anos, a ideia ganhou força.

Quando descobrimos o uso do fogo, conquistamos uma vantagem sobre as outras espécies, que se consolidou com a agricultura, que possibilitou o surgimento das cidades e liberou tempo para o aprimoramento das artes e da tecnologia. Desde então, o Homo sapiens tem modificado o planeta. Desmatamos, domesticamos e extinguimos animais, pintamos e bordamos nos territórios conquistados.

Até recentemente, essas atividades eram localizadas, afetando uma superfície pequena. Incapazes de mudar perceptivelmente o sistema de forças físicas e biológicas, como os fluxos atmosféricos, os movimentos tectônicos, a circulação dos oceanos e a dispersão de novas espécies, que determinam o macroambiente no planeta.

Assim como as populações indígenas da Amazônia, que desmatam pequenas áreas, fazem roças, pescam e caçam, mas não afetam o equilíbrio da floresta, os cientistas creem que a atividade humana até a Revolução Industrial tampouco teria afetado o destino do planeta. Mas será que a aceleração dessas atividades desde o início do uso do carvão e do petróleo impactam o planeta de maneira semelhante ao surgimento dos organismos multicelulares, o desaparecimento dos dinossauros ou o fim da última época glacial?

Se a resposta for sim, estamos no Antropoceno; se não, continuamos no Holoceno. Entrar no Antropoceno significa retirar o poder de definir o futuro do planeta da mão das forças da natureza e colocar esse poder nas mãos da nossa espécie.

Os defensores do Antropoceno argumentam que a queima de combustíveis fósseis e o aumento do gás carbônico modificam a dinâmica da atmosfera. A produção e uso de fertilizantes nitrogenados e a contaminação de mares e rios alteram o equilíbrio dos ambientes marinhos. O uso intensivo de água doce altera o equilíbrio hídrico. A redução da biodiversidade altera o balanço de forças da seleção natural. Eles creem que temos o planeta em nossas mãos.

Quem acha que é cedo para declarar o início do Antropoceno argumenta que, apesar de esses processos existirem e terem grande impacto, ainda representam forças muito menores que as que governam o ambiente planetário. Bastariam alguns terremotos ou outros eventos não controlados (um novo asteroide) para mostrar nossa insignificância. Declarar o início do Antropoceno seria o ato último da arrogância humana. Acreditam que somos comandados pelas forças da natureza.

É o início de uma discussão que levará anos, mas cujo resultado moldará a percepção do papel que nossas ações desempenham. Vale a pena acompanhar esse debate.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Reforma do Código Florestal já causa desmate



Marta Salomon / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo


Em março, os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também captaram um desmatamento maior, por meio do Deter, sistema de detecção em tempo real.

As imagens de satélites vêm sendo confirmadas por fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A operação de campo, ainda em curso, recebeu o nome de "Disparada". Por ora, já foram aplicadas multas por crimes ambientais estimadas em R$ 83 milhões. Também houve apreensão de gado e equipamentos.

A pecuária é a principal atividade do município de Vila Rica, no norte do Mato Grosso, um dos focos da Operação Disparada. Outro município que chamou a atenção dos fiscais foi Nova Ubiratã, mais ao centro do Estado, área ocupada pela produção de grãos, como a soja.

Padrão diferente. Segundo a área ambiental do governo, houve uma mudança no padrão do desmatamento desde o segundo semestre do ano passado.

Parte do aumento do desmate pode ser atribuído ao aumento do preço de commodities, como carne e soja. Mas as autoridades atribuem uma boa parte à perspectiva de mudanças nas regras de preservação do ambiente e a uma tentativa de criar novas áreas de ocupação consolidada na Amazônia.

A proposta de reforma do Código Florestal em debate na Câmara permite a regularização das áreas desmatadas até julho de 2008, data da primeira edição de decreto, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com punições para crimes ambientais. Os proprietários que desmataram ilegalmente terão prazo de um ano para aderir a programas de regularização ambiental. Parte da vegetação nativa em áreas de preservação permanente ou de reserva legal não terá de ser recomposta, segundo proposta acordada com o governo. A expectativa de tolerância a novos desmatamentos não se confirma.

Os dados oficiais sobre o aumento do ritmo das motosserras, sobretudo em março, só serão divulgados pelo Inpe no final de maio. O Ministério do Meio Ambiente avalia que será mais difícil manter neste ano a redução nas taxas de desmatamento.

A taxa oficial é medida entre agosto de um ano e julho do ano seguinte. Em 2010, foi anunciada a menor taxa desde o final dos anos 80, quando o governo começou a medir o desmatamento na Amazônia. O corte de árvores alcançou 6.451 quilômetros quadrados, o equivalente a mais de quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

Redução ameaçada
6.451
km2, equivalente a mais de quatro vezes a cidade de São Paulo, foi o índice de desmatamento na Amazônia em 2010, o menor desde o fim dos anos 1980

PARA ENTENDER

Vários pontos da reforma do Código Florestal podem levar a aumento no desmatamento. As Áreas de Preservação Permanente (APPs), por exemplo, serão descontadas do cálculo da área de reserva legal das propriedades, medida que reduz a área protegida nos imóveis rurais. A área de reserva legal também poderá ser usada para atividades de "baixo impacto".